Almoço na Relva | Martin Lanezan

Almoço na Relva | Martin Lanezan
17 de maio de 2025 zweiarts

Almoço na Relva

Em Almoço na Relva, Martin Lanezan apresenta uma inflexão sensível e silenciosa em sua prática artística. Conhecido por sua obra bordada — povoada por figuras caricatas, contornos irônicos e o excesso quase carnavalesco de linhas e cores — o artista argentino, radicado no Brasil, se move agora em direção a um campo mais rarefeito, onde a pintura se anuncia como matéria e método. Este deslocamento não apaga o passado têxtil, mas o reinterpreta: o tecido permanece como suporte e estrutura, mas é agora também superfície pictórica, lugar de cor, plano de composição e espaço de contemplação.

O título da mostra, que remete à célebre pintura de Édouard Manet, sugere não apenas uma cena ou referência direta, mas evoca um momento de transição na história da arte: a passagem da representação clássica para uma visão mais moderna e subjetiva da imagem. De modo análogo, Lanezan atualiza esse gesto, deslocando seu trabalho do excesso narrativo do bordado para a construção de atmosferas sutis, onde o desgaste, a descoloração e a deformação do tecido operam como estratégias pictóricas. Há aqui uma espécie de “impressionismo têxtil”, não na técnica, mas na busca por capturar o instante, a luz, o tempo — não mais através da figura explícita, mas do campo sensível da cor e da composição.

Lanezan abandona a verborragia dos pontos e abraça a pausa: suas composições evocam naturezas mortas, campos de cor e paisagens como quem lida com imagens fundadoras da pintura ocidental. Não é à toa que o artista se aproxima, mesmo que de modo indireto, de certas atmosferas modernistas — dos recortes de Matisse aos objetos de Morandi — sem ceder à nostalgia. Seu gesto está menos interessado na citação do que na síntese. O bordado se torna linha de contorno; a cor, antes aplicada em fios, emerge pela ação do tempo, do toque, da luz. A matéria têxtil torna-se também matéria pictórica.

É possível ler este amadurecimento à luz da célebre conversa entre Sartre e Giacometti, reunida no livro O Ateliê de Giacometti. Sartre escreve sobre o esforço do escultor em encontrar uma imagem “verdadeira”, uma forma que não seja imposição da memória ou da vontade, mas que surja como um acontecimento, como uma presença frágil e precisa. Algo semelhante ocorre aqui: Lanesan parece recuar da vontade de preencher e se debruça sobre o esvaziamento, sobre a delicadeza da imagem que resiste à evidência. Como Giacometti, ele não deseja mais “representar” o mundo, mas torná-lo visível por meio de suas lacunas, sombras, texturas.
A nova abstração de Lanezan não é a da geometria pura ou da linha racional. É uma abstração feita de restos, de bordas desbotadas, de manchas e dobras, onde a imagem não se impõe, mas se revela lentamente. Seu trabalho se aproxima mais do campo da pintura pela via do tempo: o tempo da matéria que se altera, que se curva ao desgaste, à luz, ao silêncio. E é nesse tempo expandido — entre o têxtil e o pictórico — que Almoço na Relva se realiza: como intervalo, como imagem em suspensão, como uma pintura por outros meios.