Attirance | Paris

Atração // Attirance
Thaís Bambozz
Há um lampejo que se forma e perpassa pelos artistas que compõem essa exposição: suas obras são conectadas pelo movimento de forças atrativas. Em um primeiro momento, pensa-se na atração dos corpos, com trocas de olhares, gestos coreografados, palavras que desvendam e encantam, toques, fluidos, corpos que se magnetizam e matérias que se fundem. Puro amálgama e dissolução.
Contudo, há que se expandir a ideia de atração para contemplar conceitos, imagens, símbolos, objetos, intenções que se encontram e podem percorrer juntas, lado a lado, ou misturam-se para dar à luz um novo sentido. Expansão esta da ordem da força pulsional, da libido, do desejo, que irrompe das estruturas, dos corpos, dos inconscientes e dos fazeres artísticos.
Nas fronteiras desses movimentos, Allann Seabra e Daniel Nicolaevsky têm o corpo como ponto central de atração. Allann implica-se com literalidade na própria obra ao abrir mão dos pincéis para imprimir o seu corpo na tela. Na série “Sudário” é atraído pelo tecido e reúne marcas corporais, em um gesto refém do atrito criado entre pele e trama, deixando vestígios com marcações do agora. A pintura parece possuir um ritmo singular, como se atestasse a fundação de uma nova linguagem e, de modo singelo, denuncia também a passagem do tempo.
Daniel, que tem no corpo seu veículo de pesquisa e conexão com o público, por sua vez, é atraído pela espacialidade. Ao performar, comparece ao ato e personifica-se no domínio do corpo, o que permite o surgimento de um sujeito que traz consigo a marca da exterioridade e também de sua própria finitude. Há algo de poesia que se realiza na impermanência e tem como condição a duração da presença do corpo.
Com relação à prática artística de João GG, esta é permeada por uma multiplicidade de técnicas e materiais na construção de camadas de suas narrativas pessoais. Seja na atração de sua “Infestação: libélulas” pelo vidro das vitrines do Marais, seja nas cores fulgurantes de suas pinturas a atrair também o olhar do observador. A noção de artifício, tão cara ao artista, está aqui presente no fazer e no expor.
Já nas pinturas de João Paulo Balsini, somos apresentados a pequenos fragmentos íntimos, recortes de uma rotina que exprime a atração entre dois homens que desejam. É neste inventário de afetos que se dá também o ponto de contato, tanto no toque entre duas escovas de dentes e no repouso de uma lâmina de barbear, quanto no encontro dos corpos, lado a lado, em reflexo, em presença ou em atos de cuidado. Um diário de confissões a exalar sensualidade e cumplicidade.
Ao mirar para os trabalhos das artistas mulheres que integram a mostra, nota-se que as obras ecoam entre si. Na série “Costume”, a artista Larissa Camnev continua suas investigações sobre as relações corpo-espaço, mesclando-se no corpo inorgânico, de modo a inventar uma nova silhueta para si no campo do feminino como enigma. No vestir e desvestir do casaco, a lente da câmera fotográfica capta esse ensaio cifrado de posições do corpo, uma espécie de atração visual, que em um primeiro momento parece revelar tanto, mas que continua insistentemente a escapar. Costume como ato do ordinário ou costume como fantasia, fica em aberto.
A produção de Letícia Lopes também envereda pelo campo do enigma, do mistério e do simbólico. No limiar entre real, ficção e onírico, animais e mulheres são atraídos pelo prazer. Partindo da ideia de que a construção da linguagem surgiu do entendimento do poder atribuído à imagem, a artista busca o alargamento dos contornos de compreensões, lida com uma ideia geral de pulsão e coleciona e reinventa imagens ao pintar e desenhar.
Com relação à série “Mitos”, Paloma Mejía propõe o deslocamento da posição de musa, ocupada pelas mulheres durante grande parte da história da arte, para um lugar de protagonismo e liberdade, com a exploração profunda da própria sexualidade, desafiando o cânone ocidental. É forte a presença do erotismo nas formas curvilíneas moldadas em cera e fundidas em bronze e dos corpos erogeneizados, marcados pelo desejo e margeados pela falta, que atraem e são atraídos de volta em seus termos.
Assim, em tais jogos de forças que movimentam corpos, psiquismos, vivências, interesses e poéticas, os artistas aqui reunidos nos fazem recordar de um trecho de um ensaio que integra a obra “O Sol e o Peixe”, escrito por Virginia Woolf: “Deixemo-nos fervilhar sobre nosso incalculável caldeirão, a nossa enfeitiçadora confusão, nossa miscelânea de impulsos, nosso perpétuo milagre – pois a alma vomita maravilhas a cada segundo.”