Meia Luz

Meia Luz
Julie Dumont
Na penumbra das paisagens de Eduardo Baltazar, nos encontramos em um momento de suspensão. Entre memórias de ócio e imagens fugazes capturadas nas estradas entre o Rio e São Paulo, o artista estabelece uma prática pictórica no contrafluxo da acumulação de imagens e da luminosidade das telas que intermediam o nosso contato com o cotidiano.
Nas pinturas de Baltazar, paira uma indefinição, como a névoa que embrulha as reminiscências do passado, um final de tarde ao cair da noite. As ruas, praias e jangadas, as evocações de férias com a família, as arestas e cantos das casas, as luzes do final do dia que se refletem nas suas janelas parecem flutuar, como tantas imagens, metade lembranças, metade mapas mentais, que o artista tenta registrar.
De fato, embora as cenas retratadas partam da observação, o rastro deixado por elas, além da imagem impressa na retina, é da ordem da sensação ou da emoção, como as formas e ideias que tentamos lembrar ao acordar, antes delas desaparecerem, como o cheiro de um café cedo de manhã.
Talvez seja isso que caracteriza melhor as obras de Eduardo Baltazar: a contradição que existe no fato dele fixar, nas suas telas, elementos do mundo visível, para torná-los reflexos do mundo dos pensamentos inconscientes, este poço entre luz e sombra de onde brota a criatividade. Assim, além do real que aparece frente aos olhos, o artista propicia uma pausa. As suas pinturas abrem uma aba de descanso, um refúgio frente a demanda de produtividade frenética e infértil, um convite a desfrutar de uma ociosidade criativa.
Mesmo revestida de uma qualidade etérea, da qualidade evanescente dos sonhos, a pintura de Eduardo Baltazar não deixa de ser matérica: marcada de sulcos deixados pelo pincel ou ainda lisa, glaceada como os azulejos de casas antigas. Os seus contornos difusos têm uma certa sensualidade, a sensualidade da pele se eriçando na brisa da noite ou da madrugada. Como tantos cartões postais e fragmentos de um diário onírico, as pinturas de Baltazar revestem assim uma escala intima, convidando o espectador a se aproximar fisicamente das obras, para mergulhar nas janelas assim abertas e ler nas entrelinhas dos objetos e pessoas retratados na luz dourada da hora mágica ou na sombra azulada da noite. A imagem esticada na tela ganha uma autonomia, uma qualidade física e sútil ao mesmo tempo, resultado de uma atenção generosa, sem agenda nem foco particular, além de capturar o invisível, apelando tanto à visão central como à visão periférica e sentidos mais fugazes como uma certa nostalgia, a saudade da infância, dos seus rabiscos e seus cheiros.
Retratos de um estado de espírito além de tudo, as pinturas de Eduardo Baltazar podem ser definidas, seguindo as próprias palavras do artista, como pinturas de olhos fechados. Baltazar entrega assim um convite a tornar a atenção para dentro, por detrás das pálpebras. Um convite para relaxar a atenção e flutuar, na penumbra da tela, em um espaço intersticial, indefinido, entre a vigília e o sonho, na meia-luz de uma noite de verão em Arraial.