Ainda Pulsa, No Teu Imenso Respirar

Ainda pulsa no teu imenso respirar
Theo Monteiro
Reencontro, vídeo de 2010 de Angella Conte, fala sobre o tão famoso encontro das águas -fenômeno comum em diversos rios mas muito marcante na bacia amazônica, em especial o que ocorre entre os rios Negro e Solimões, objeto da referida filmagem. Chama a atenção o fato de serem dois corpos d’água de natureza, temperatura, fluxo, turbidez, cor, sedimentos e mesmo seres vivos absolutamente distintos, que ao se fundirem se impregnam, tornando-se uma coisa só, e emprestando um para o outro sua singularidade. Nada será igual dali para diante.
Como um rio, a poética de Angella Conte, caudalosa e torrencial como é, não se inicia repentinamente: é resultado de encontros, trocas, acúmulos e impregnações que a atravessam; histórias de antepassados, saberes ancestrais, lembranças de viagem, relíquias. Serpenteia lépida e com grande vazão, abrindo caminhos inexplorados e colocando em contato elementos a princípio distantes ou sem relação entre si.
Formando uma espécie de “glossário” de seu trabalho, a artista reúne em uma prateleira vários pequenos frascos contendo fragmentos de pedras, terras, águas e plantas das mais diversas regiões do mundo, guardados por ela própria ou presenteados por amigos. Elementos a princípio desgarrados, que ao serem levados pelo fluxo da artista, se reencontram e ganham identidade e significado.
Desse exuberante universo, borbulham diferentes linguagens. Dentre elas, a instalação Ainda Pulsa. Permeável e aberta a lugares e saberes que é, Conte acumula memórias e relíquias de suas andanças. Na impossibilidade de levar consigo a maior floresta do planeta, traz dela filmagens, sensações e pulsações. Sobre um punhado de terra rente a uma parede, projeta um enorme vídeo das profundezas da mesma e dispõe também uma enorme impressão em voil, recriando no espaço a atmosfera e a luminosidade amazônica. No local, um neon, com a frase em verde Ainda Pulsa, nos lembra que, ainda que distante geograficamente, a selva ainda está lá, e viva. Cabe à artista, navegadora de mundos incontáveis, trazer até nós a efemeridade de uma exuberância ambiental.
Mas se os rios vão e vem, fluindo rumo a corpos d’água infinitos, a vida em torno dos mesmos cria raízes e se assenta, como bem mostra Conte ao filmar árvores, raízes e rochas. Não para por aí. Em um interessante trabalho escultórico, se valendo de madeira reaproveitada, a artista constrói formas arredondadas e as fixa no chão por meio de estruturas similares a bancos, como quem faz dali o seu lugar. No interior dessas formas, em cavidades, insere pedras, vidros com águas de rios e alguns dos elementos que acumula em seu pequeno mostruário geológico. A lisura da madeira contrasta com a rugosidade das pedras. A fixidez das esculturas contrasta com o cinetismo e a fluidez das águas. Elementos de distintas naturezas, que harmonicamente se complementam, constituindo um todo.
Angella Conte não intervém na natureza: conversa, dialoga e aprende com ela. Como um rio, contorna as distâncias e os abismos e coloca em contato o que está distante. Mesmo que o referencial esteja ausente, faz questão de trazer algo que o recorde. Seu mundo está em fluxo, e seu trabalho faz questão de lembrar que, no seu imenso respirar, ainda pulsa.